OFÍCIOS DA CARNE
o açulamento
de um bafejo
comiserava-se
de dulcíssimas canjicas
se no retábulo de pelúcia
um bafo fosse brisa:
na íris flamejante
uma linha em lâmina
sobre a bota branca
quando, sem surpresa
a paulada na cabeça
arriava as quatro patas
na rabiola dos revérberos
e trinando de espasmos
a vitela envolta em visgo
era uma cria semipronta
pendurada pelo umbigo
ali cada dente de aço
só confiava nele para afiar-se:
orgulho e amizade entre
o carniceiro e o amolador
que do esmeril à chaira
doravante retornava
a ofícios bem mais dignos
que tesouras domésticas
ou faquinhas de cozinha
para pânico dos vegetarianos
felizes com o caldo roxo
de suas beterrabas cozidas
e perguntando pelo fio
dos alicates de cutículas
adeus à tabuleta na calçada
(AFIA-SE NAIFAS E FACAS):
agora só o pugilato do abate
e uma picardia de galo de rinha
procurando por veios e juntas
separando as peças
para o enguiço da balança.
OS NOVOS BROQUÉIS
dito um certo oblíquo
de requintes despojado
sem as maneiras finas
do nu e do calvo
libidinoso e dissoluto
feito um fauno
ou antes mesmo um tarado
que se apresenta inconveniente
(de pau duro e pelado)
que atinge de través
como a cilada inevitável
que não é de quina perfeita
como o canto do esquadro
que chega bicudo e hostil
como o cotovelo do gaiato
que alvoroça e aterroriza
a sentinela em sobressalto
que brandindo seu escudo
enfim revida o atentado
mas não um escudo muro
dos de imenso anteparo
e sim um bem pequeno
a bem dizer discoide ou ovalado
um escudo então redondo
(sem as coberturas do biombo)
que para se exprimir corretamente
remove o pó da palavra broquel
– a mesma dos Broquéis de Cruz e Sousa:
um escudo ágil e de estreita loisa
que traz no centro de sua calota
uma ponta muito aguda
(por isso dita broca)
recurso derradeiro de quem
surpreendido sem seu gládio
conserva na própria defesa
o rechaço do adversário.
O autor é professor de Hermenêutica da UFF
marcusfabiano@terra.com.br